O Documento de Janeiro

por Center for Especifismo Studies, 2023

“Dominação e exploração se manifestam de diferentes formas dependendo do contexto, mas em todos casos, anarquistas buscam uma sociedade igualitária que marcaria o fim das divisões de classe. A organização política tem como objetivo finalista o socialismo libertário, uma sociedade livre da dominação de classe e da exploração capitalista, onde as pessoas possam decidir por si mesmas como alcançar os objetivos que buscam em suas vidas. As capacidades, habilidades e níveis de comprometimento de todos mudam conforme o tempo passa. É por isso que a organização política deve agir, não apenas como uma abrigo para a minoria ativa criar estratégias e tomar decisões sobre si e suas ações coletivas, mas também como uma fonte de história revolucionária.”

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A concepção anarquista de sociedade de classes NÃO É APENAS econômica (ou seja, renda, riqueza, etc); é TAMBÉM política/jurídica/militar (ou seja, burocratas, políticos, juízes, etc.) E cultural/ideológica (ou seja, linguagem, raça, gênero, etc.). É por isso que falamos de classes oprimidas no plural. Exploração e dominação se manifestam diferentemente dependendo do contexto, mas em todos os casos, anarquistas buscam uma sociedade igualitária que marcaria o fim das divisões de classes.

A sociedade hoje não tem um caráter revolucionário. Tudo é organizado ao redor dos interesses capitalistas e violência estatal. Em muitos espaços radicais, pessoas usam métodos individualistas sem se identificarem com o individualismo. Para alguns, o termo “revolucionário” é carregado como uma medalha de honra ou símbolo de status. Mas militância revolucionária, como é concebida pelo especifismo, se refere a um engajamento ético e comprometido. Isso significa interagir com pessoas já radicalizadas e radicalizar outras, assim como interagir com pessoas apolíticas e despolitizadas em movimentos sociais e grandes organizações. Essas interações, sendo complexas e multifacetadas, exigem uma teoria relevante que descomplique o relacionamento entre organizações específicas e organizações de massa. Especifismo se distingue desses diferentes modelos de abordagem usando os termos “político” e “social”. E para alcançar unidade estratégica e tática, a organização política precisa de unidade ideológica e teórica. Isso se diferencia de movimentos de massa que são caracterizados pelo número de pessoas que mobilizam, assim como pela pluralidade de forças em ação. Enquanto o nível político não existe para direcionar o nível social, a organização política toma decisões dentro de sua própria perspectiva, para seus próprios quadros. E nem tudo que a organização política fizer será apoiado por pessoas de fora da organização. 

O especifismo defende “um modelo de performance” que avança uma estratégia revolucionária através de compromisso com a ética militante, estabelecendo um nível de confiança entre a organização política (na forma de organizações especifistas) e a organização popular (na forma da luta de classes). Avançar com essa estratégia significa a avaliação de nossas ações. E seja se referindo as práticas ou ideais, a organização política é a fonte desses padrões e críticas. Como a organização política integra coletivamente e difunde novas informações? No especifismo, a organização anarquista específica determina coletivamente quando uma informação é relevante ou não. Essas análises, práticas, e valores são reforçados através de educação política, não apenas em seu conteúdo mas também sua forma,  ou seja, sua organização (aqui com “o” minúsculo) e sua metodologia.

Uma vez que o nível político do anarquismo não pode permanecer relevante se divorciado do nível social dos movimentos populares, o dualismo organizado é a concepção estratégica do desenvolvimento revolucionário em duas direções complementares e colaborativas. Com este entendimento de organização, o anarquismo pode permanecer em contato com o que é chamado de “vetor social”, os grandes movimentos de massa de seu tempo e espaço. Inserção social é especificamente sobre estar presente nestes movimentos sociais mais amplos, compartilhando habilidades, análises, e conhecimento, mas sem forçar uma agenda política em um lugar plural. Isso também implica estar aberto a aprender com outros que são igualmente comprometidos com o caráter revolucionário do movimento. Durante um movimento social ou dentro de uma organização popular, quando uma minoria ativa compartilha afinidades práticas e  concorda em trabalhar em coletivo, anarquistas deveriam considerar sua essência, mas também dar apoio demonstrando ser uma via possível, desejável e organizada.

No nível social, insistir em ações espontâneas pode ser autoritário e levar as pessoas, voluntariamente ou não, a serem desorganizadas. Isso é contra os princípios de autogestão da liberdade concebidas pelo anarquismo. Organização é fundamental para a ação coletiva. Isso é igualmente verdade para militantes revolucionários, para movimentos de massa, e pela defesa da ação direta contra as forças reacionárias da classe dominante.

Os militantes de uma organização específica não estão participando da política como um hobby e não tratam o trabalho revolucionário como diversão. Militância é sobre fazer o que for preciso para avançar o programa da ação direta. De uma perspectiva individual, mesmo em uma organização onde as decisões são feitas coletivamente, pode ser visto como problemático que algumas pessoas acabem se vendo como minorias de voto. Entretanto, a perspectiva da organização específica é diferente já que avança somente na forma que seus participantes decidirem. Seu único caminho é o da ação coletiva, sem declarações de lealdade, atos individualistas, ou coerções. Seguindo esse relacionamento de militantes a seus próprios níveis de comprometimento, não são indivíduos aleatórios 

que precisam “performar tarefas que eles não gostam muito” pois quando a organização política diz “nós”, é em relação ao nível político. Esse “nós” do nível político é distinto do “nós” do nível social. E dualismo organizacional é uma ferramenta para entendermos quem somos.

Dentro de algumas organizações, nada jamais muda. Eles se recusam a interagir com pessoas com vivências ideológicas diferentes, e com o passar do tempo, isso gradativamente as afasta do campo da luta de classes. Eventualmente, esse anarquismo “do meu jeito, ou nada feito”, acaba por focar inteiramente em auto aperfeiçoamento, polir sua ideologia e crescer em números. Mas essas práticas são sectárias independente de seu caráter ideológico. A organização anarquista específica não deve ser uma “bolha” que protege seus quadros da mudança trazida por forças “externas”. Não deve se preocupar somente com sua própria organização mas em nutrir um movimento nos níveis político e social, como caminhos paralelos levando aos mesmos fins. Isso significa um firme compromisso para com espaços plurais e movimentos de massa, defendendo a presença do anarquismo político, organizado e efetivo. Mas isso também significa não engajar com qualquer pessoa com a intenção de convertê-la ao anarquismo pois as outras pessoas na sua comunidade não são peões passivos sem a habilidade de pensarem por si mesmos. Somente ao apresentar as ideias do especifismo para as pessoas, elas terão a oportunidade de determinar seus próprios relacionamentos com essas ideias, em seus próprios termos.

Enquanto algumas formas de ação e organização replicam o trabalho social do estado, no especifismo, “trabalho” se refere as atividades de organização política, e “social” se refere ao local deste trabalho: o nível social. Militantes especifistas fazem parte de várias grupos no nível social (sindicatos escolas, associações de moradores, etc.), e nesses espaços, participam em ação direta e articulam políticas emancipatórias. Entretanto, inserção social não é o ato de prefigurar Organizações (agora com “O” maiúsculo) e as dirigir a certas crenças e valores. Se refere a totalidade do processo de desenvolver relações e interagir com outras pessoas na comunidade.

Ao contrário de certas tendências social democratas ou marxistas, o conceito de estratégia revolucionária do especifismo não é um projeto de união das esquerdas mas de poder popular. Dessa perspectiva, a esquerda é um agrupamento de tendências, um nível político- social onde o grau de unidade por vezes é possível e prático. Entretanto, essa unidade não é especificamente ideológica uma vez que diferentes grupos “a esquerda” tem diferentes ideias e políticas, nem é popular já que é composto por uma minoria da sociedade. Para algumas tendências socialistas, crescer a esquerda através de acumulação de quadros do partido e poder político no estado são passos necessários no processo revolucionário. O especifismo rejeita ambas essas estratégias. A única maneira de criar uma ruptura revolucionária que transforará a sociedade é através do desenvolvimento organizado de um poder popular capaz de destruir as instituições do capitalismo e do estado.

O poder popular também deve ser capaz de defender seu próprio caráter liberatório das forças reacionárias. Movimentos de massa devem ser autônomos para impedir cooptação e sustentar seu avanço militante. Em contexto, isso significa que a unidade no nível social deve ser baseada estritamente na estratégia de alcançar objetivos de curto e médio prazo, já o nível político que é baseado na afinidade ao anarquismo, é capaz de permanecer focado em uma estratégia geral de longo prazo. Então, quando objetivos específicos são definidos representam uma forma de gradualismo, é diferente do tipo de gradualismo que emprega a ferramenta do estado ou do partido para agir como um guarda-chuva que cobre vários movimentos autônomos. Essa tentativas de criar uma “coalizão ampla” buscam criar uma única marca para definir a pluralidade de lutas específicas e localizadas que já estão se desenvolvendo na sociedade.

A resposta para a pergunta “oque ‘vencer’ significa?” varia depende para quem você perguntar, onde eles vivem, as condições em que o indivíduo e a comunidade vivem, condições de trabalho, seu plano de saúde, sua moradia, etc. Essa variedade de lutas e atores que se emancipam são um tipo de academia revolucionária, e as ações diretas que empregamos para alcançar objetivos de curto prazo são a ginástica revolucionária que as organizações populares devem fazer para desenvolver seu próprio poder popular capaz de finalmente trazerem um fim a luta de classe em todas suas formas.

Obviamente, neste momento, nem tudo está a nosso favor. E uma vez que a transformação social só é possível através da organização do poder popular, hoje, esse permanece sendo o trabalho das classes oprimidas do mundo assim como o projeto de toda tendência socialista verdadeiramente revolucionaria. É por isso que não é possível simplesmente abolir todo o sistema e todas as estruturas rapidamente, mesmo se sua abolição é parte de uma estratégia de longo prazo. A libertação das classes oprimidas só é possível através de sua auto-organização e autodeterminação, não ao votar por um partido ou por um colapso social forçado por atores vanguardistas buscando “acelerar” os movimentos da sociedade em favor de emancipação individual.

Considerando o verbo “militar”, é nítido que ação precisa de objetivos. Você milita por algo, em direção a algo. Militância é ação intencional para chegar a objetivos específicos. A organização política tem como objetivo finalista o socialismo libertário, uma sociedade livre da dominação de classe e da exploração capitalista, onde as pessoas possam decidir por si mesmas como alcançar os objetivos que buscam em suas vidas. Mas para a organização popular, os objetivos estão relacionados a mudanças materiais reais e relevantes na vida de todos afetados pela luta. Essa hiper especificidade do tempo e do lugar deve orientar a si mesma ao redor do que é necessário, não da ideologia. Algumas vezes isso significa seguir outros que são mais afetados por e tem mais conhecimento prático de um local ou forma de luta especifica. Da mesma forma, devemos reconhecer que compromissos são vividos por indivíduos militantes, não abstratamente. As capacidades, habilidades, e níveis de comprometimento de todos mudam com o passar do tempo. É por isso que a organização política deve agir, não apenas como um abrigo para a minoria ativa criar estratégias e tomar decisões para si mesmos e suas ações coletivas, mas também como fonte de história revolucionária para que o conhecimento e progresso de nossas lutas não se percam entre uma geração e outra.

Translation by: https://hiperobjeto.blackblogs.org/

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